Beaune, pequena cidade fundada em 1223, fica inserida bem no meio da Route de Grands Crus na Borgonha e tenho cá comigo que é a mais famosa da região, pois além de mais visitada, é reconhecida como a capital dos vinhos da Borgonha. E ainda abriga um restaurante de um mito, que me fez lembrar do quanto qualquer maneira de amor vale a pena. Acredito que gostem desse post, ele me emocionou ao me lembrar a importância que a gastronomia tem para mim. Espero ainda, que sintam o que tive a intenção de passar ao escrevê-lo.
Ruinhas estreitas, casas típicas e muitas lojas de vinhos. Imperdível!
Lá se encontra o monumento Hospices de Beaune, fundado em 1443 com deslumbrantes telhados coloridos em padrão geométrico, no estilo gótico.
Ao dizer hospício, vem logo a ideia de sanatório, mas não era assim. Na verdade, o Hospices tinha como função a caridade, pois medicava pessoas carentes. Porém, pela precariedade natural da época, os procedimentos e instrumentos utilizados, serviam apenas para amenizar o sofrimento do doente (pobre) até a morte (as pessoas mais abastadas, quando doentes, se tratavam em casa).
Hoje o maravilhoso espaço é utilizado como museu, onde foi mantido o mobiliário da época, restaurado em 1875 e, figuras em cera são posicionadas de maneira que simulem o triste dia-a-dia da época. Quem tiver interesse em se aprofundar na história do Hospices de Beaune, deve dispor da visita com áudio-guia, pois se trata de uma verdadeira história da medicina.
A cozinha está ainda hoje, como na época, com o fogão e suas duas torneiras de água quente, chamadas “pescoço de ganso”.
Existe uma lenda interessante. Dizem que a água por não ser potável na época, fazia com que os médicos recomendassem em seu lugar, vinho aos doentes. Essa é boa! E já que pronunciei a palavra lenda, vou falar em outra mais relacionada ao assunto que nos interessa, a gastronomia.
Você já ouviu falar de uma lenda da gastronomia francesa chamada Bernard Loiseau? Este, que foi um dos melhores chefs franceses, começou como principiante na cozinha da Maison Troisgros e com o tempo, e com a abertura de seu próprio negócio, ganhou “estrelas Michelin”, classificação que sempre confere mais movimento ao restaurante. Estabelece também tamanha seriedade, que pode chegar a provocar suicídio a quem as perde. Pois é… Dizem, pois a circunstância é tabu nas esferas gastronômicas, que Loiseau, chef perfeccionista que era, “partiu para uma melhor” em função disto, e que o drama foi determinado somente pela expectativa de sua constelação ser reduzida a duas, já que era ainda um “diz-que-me-diz”. O prenúncio não se consolidou e além da classificação de Relais & Châteaux, as três estrelas Michelin continuam brilhando no céu sobre o spa/hotel/restaurante na Borgonha, atualmente dirigido por sua viúva Dominique Loiseau e chefiado por Patrick Bertron. Tentei ficar no hotel para saber mais desse mito, mas é fechado nessa época do ano. Antes de fazer a grande besteira, Bernard Loiseau sonhou em abrir um restaurante em Beaune, e Dominique Loiseau o materializou. Em 2007, bem no centro histórico, nasceu o Loiseau des Vignes.
O restaurante é lindo! Fica numa casa com pé direito alto, restaurada e mobiliada com extremo bom gosto, numa mistura de pedras, madeira – do antigo com ares contemporâneos.
Sentamos numa mesa com vista para um belo pátio do século XVI com jardim, onde no verão, são colocadas mesas. Imagino a delícia!
A “cuisine” do LOISEAU DES VIGNES contratou Mourad Haddouchel que segue os passos do grande chef e já alcançou sua primeira estrela Michelin.
Para dar início aos trabalhos, vem nos dar as boas-vindas, um pequeno Creme de “Pode me matar que não lembro“… mas lembro que estava delicioso!
Gougéres maravilhosamente bem preparados, levinhos e aerados… Amo! Eu queria mesmo um balaio cheio deles… Vem cortado em forma de pão, e não em formato de pão de queijo como é tradicionalmente conhecido, e como dei a receita aqui.
Quando eles colocam no cardápio Foie Gras sem escrever “poêlé” saiba que será servido a terrine, quase sempre da própria maison. Esta veio com compota de maçã e picles de repolho roxo feito com vinagre de mel e chá Earl Grey. “Num” sei não, mas não tenho mesmo paladar para sentir tanto sabor…
Esqueci de fazer a foto, essa não é minha. A “aradisse” é demais!
Observei que o chef se preocupa com o cuidado de usar produtos regionais como o Escargot. Este divinamente veio sobre risoni e um coulis de alface levemente defumado… De novo não fui capaz de perceber o sabor defumado. Mas estava muito bom e muito linda a montagem do prato.
Esse próximo foi muito interessante. Veio um prato com alguns legumes, folhinhas, gergelim, flor de abobrinha, échalote e flores. Depois, é enviado um delicioso creme de milho e colocado por cima. Adorei a ideia, apesar de já ter feito algo similar com minha sopinha de tangerina. E agora quando fui procurar para colocar o link aqui para você ver a receita, achei até mais interessante a minha… rsrsssss Olha lá a receita e as fotos
O risoto com ovo e trufa. Sensacional!
O tradicional Boeuf bourguignon foi servido de uma maneira “desconstruída”. Me lembrou Leandro Pimenta, fiquei muito orgulhosa do nosso chef, pois veio exatamente como ele serve a rabada no The L.A.B. Depois de cozinhar carinhosamente o paleron – acém – por longo tempo a baixa temperatura – 24 horas a 63 graus – a carne é desfiada e enformada. Aí você pode partir com a colher, de tão macia! Ao molho com louro, creme de aipo, cenoura e mostarda.
Escrevendo esse post, fico pensando que até hoje não sei o que é Fromages affinés. Mas saiba que é o que vem a seguir rsrssss.
O chef surpreende ao servir um memorável crepe soufle de moranga finalizado bem à nossa frente, que dá vontade de bater palmas, de tão lindo e delicioso! É flambado com licor de laranja e vem um creme com grãos torrados. De novo, não senti o sabor “torrado”, até achei que precisava flambar um pouco mais para sair o gosto da bebida. Se fosse Leninha, minha amiga que ama comer (assim como eu), não gostaria, pois estava forte.
O diretor de restaurante, Christophe Gines, é um simpático espanhol casado com uma cearense. Adorei lembrar e falar sobre tucupi! Afinal, comida francesa é sempre maravilhosa, mas igual nosso tucupi… Hummm…
Não cheguei a conhecer o grande chef, mas sinto o espírito generoso de Loiseau vivo e presente nesse restaurante. Ao ver a dedicatória de Paul Bocuse, sinto também uma energia brotar do meu estômago e penso: De um mito à outro mito! Como objetivo, transmitem conhecimento através de rituais à mesa. Admirada, continuo ali observando e me pergunto: Que pena um deles ter escolhido um outro caminho, será que qualquer maneira de amar vale a pena, ou uma vida? Sem conseguir sair do lugar, ainda reflito: Não importa a forma e como mitos que são, simbolizam a importância da gastronomia! Permaneço ali, e me lembro de Dominique Loiseau, a viúva. Meio que entorpecida em meio a tantos pensamentos que insistiam em surgir sem parar, vejo que a energia que brotou no meu estômago, agora percorre meu corpo e com essa sensação, concluo: Ela continuou o legado do mito mantendo o negócio e por amor, materializou parte dos sonhos dele. Ela sim, conseguiu a tal “qualquer maneira de amor vale a pena… qualquer maneira de amor valerá!
christophe.gines@bernard.loiseau.com
Loiseau des Vignes
Endereço: 31 Rue Maufoux, 21200 Beaune, França
Telefone: + 33 3 80 24 12 06
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Nossa! Cada dia melhor! Agora matei a charada, esses posts estão cada mais lindos devido ao amor! É claro que viajar para namorar o maridão e curtir a filhota só pode trazer mais inspiração. É menina, o amor só vale a pena, e só vale a pena viver por amor! Amar a família, os amigos que fazem parte da família, o que se faz e a vida! E comer…um caso de paixão a parte! rsrsrsrsrs beijos
Dilu, vc surpreende em cada post. Nossa! Me deu um fundo no estomago. Bacana demais, parabens!
Querida Dilu, já tinha sim ouvido falar desse chef. Mas lendo seu post me bateu uma triste sensação de quem o conhecia. Gostei muito, beijinho!
Que delícia, Dilu!!!
Deu saudades!…
Bjooos
Dilu, sei da historia desse chef, alias quem nunca ouviu falar? So que nunca dessa forma que vc colocou, com poesia. Sabe quando voce para pra pensar nas pessoas envolvidas? Foi o que aconteceu agora. Obrigada viu? Adoro o blog!
Como um simples texto pra falar de comida, passa a ter um significado tão diferente? Parabens, mandou bem!
Qualquer maneira de amor valerá! Mas não consigo ver esse ato como forma de amor. Desprezível!
Um guia histórico!!
Que delicia de post.Parece aqueles livros que a gente lê sem parar e entristece quando acaba, de tão boa história!
Beijos saudosos!
Dilu, faço gastronomia e depois de ler esse post, acabei de ter uma ideia pro meu próximo trabalho. EM NOME DO AMOR, QUE DEUS perdoe esse chef. Beijão!
Adorei o post, muito bacana. Beijão!
Super! Muito legal!
Dilu nossa! Que final mais facil de emocionar! To aqui tambem pensando, pensando… Qualquer maneira de amor vale realizar sonhos, nao acabar com eles. Beijoss